Maior farmacêutica do mundo, a americana Pfizer tem 58 fábricas em 150 países e fatura mais de 50 bilhões de dólares por ano. É improvável que em qualquer desses lugares esteja enfrentando uma situação tão inusitada quanto na cidade goiana de Anápolis. O enredo tem de tudo um pouco: ganância, uma família em crise, uma morte e um negócio bilionário em suspenso.
Tudo começou em 2010, quando a Pfizer pagou 400 milhões de reais por 40% do laboratório goiano Teuto, do empresário Walterci Melo. Parecia um grande negócio para todas as partes. A Pfizer entrava de vez no promissor mercado brasileiro de genéricos. O Teuto aumentava seu leque de produtos fazendo genéricos de alguns dos remédios mais famosos do mundo.
Melo resolvia suas dificuldades financeiras e podia ganhar mais. Pelo acordo, a Pfizer tinha até 2016 para comprar o restante, pagando 14,4 vezes a geração de caixa anual do Teuto. Desde então, Melo fez tudo o que podia para aumentar o resultado da empresa.
Ele dava como certo que a Pfizer compraria os 60% restantes em 2014, quando sua opção começou a valer. O plano era infalível. Mas quis o destino que desse tudo errado.
No dia 8 de maio, Melo morreu de infarto, aos 58 anos. Ele já tinha três pontes de safena e havia sofrido outros três infartos. Marcelo Henriques Leite, seu executivo de confiança, ficou no comando. O filho mais velho de Melo, Ítalo, diretor de marketing, divide o controle com os três irmãos.
É aquele tipo de sucessão para a qual nenhum grupo familiar está preparado. Melo começou a carreira como vendedor do Teuto. Em 1986, comprou a empresa por 2 milhões de dólares e a transformou num dos maiores laboratórios do país. Nos anos 90, mudou a empresa para Goiás.
Em 2006, gastou 100 milhões de dólares na construção da maior fábrica de remédios da América Latina, apostando no crescimento com incentivos fiscais. Foi um passo arriscado. Endividado, quase quebrou, mas conseguiu atrair o interesse da Pfizer. A ideia era viver dias mais prósperos que culminassem na venda do restante aos americanos. Mas chegou-se ao enrosco atual.
Os sucessores de Melo e a Pfizer são vítimas dos incentivos criados pelo contrato. Como os americanos têm até 2016 para comprar o resto da empresa por um múltiplo da geração de caixa, o Teuto vem turbinando seus números. Em resumo, encher as farmácias de remédios oferecendo enormes descontos, ganhando hoje o que se ganharia amanhã.
Em 2013, a geração de caixa chegou a 159 milhões de reais, duas vezes e meia a mais que em 2010. Com esses números, o Teuto valeria cerca de 2,3 bilhões de reais. Mas a Pfizer, que de ingênua não tem nada, entendeu que o resultado deve cair nos próximos anos.
Preferiu esperar para fazer sua oferta, apostando, segundo executivos próximos à empresa, numa queda da geração de caixa. Pelo contrato, a Pfizer tem até 2016 para comprar tudo. Mas, até 2016, ninguém obriga os americanos a nada.
Desconto extra
E os próximos anos serão de arrumação da casa em Anápolis. Desde 2010, o Teuto fez de tudo para ganhar espaço no mercado de genéricos. Segundo varejistas ouvidos por EXAME, oferece aos clientes um tipo de desconto que melhora o balanço no curto prazo.
Funciona assim: além do desconto tradicional, quem paga as notas antes do vencimento ganha um abatimento maior. O desconto extra é contabilizado como despesa financeira e não prejudica a geração de caixa — justamente o critério que determina o preço pago pela Pfizer.
Segundo dados da consultoria IMS Health, o desconto nas notas é de 70%. Mas o desconto final para o varejo chega a 85%. É ótimo no curto prazo, mas lota os estoques das farmácias e reduz a demanda no médio prazo. Em 2013, o Teuto foi o laboratório de genéricos que mais cresceu no país: 35%.
Nos 12 meses até agosto, o crescimento caiu para 24%. A Pfizer disse em nota que os balanços são auditados e seguem as práticas de mercado. “Ainda não tomamos a decisão de comprar a fatia restante e vamos esperar o melhor momento para fazer isso”, diz Victor Mezei, presidente da Pfizer no Brasil.
Em meio à expansão, o Teuto começou a ter problemas operacionais. Neste ano, lotes de nove medicamentos foram recolhidos por problemas de qualidade — havia até parafuso no meio dos remédios.
Com a empresa em compasso de espera, a família vive dias de incerteza. Da fortuna que Melo recebeu, não sobrou quase nada. Primeiro, ele pagou empresários que o ajudaram quando quase quebrou em 2006. A maior parte foi para uma empresa de Sandra Oliveira, irmã do empresário Fábio Oliveira, da fabricante de laticínios Mococa: 190 milhões de reais, por uma fatia de cerca de 20% no Teuto.
Melo comprou uma casa em Miami, uma cobertura na Vila Nova Conceição, o bairro mais caro de São Paulo, e um jatinho Citation Sovereign, avaliado em 15 milhões de dólares. E arrematou a fazenda Piratininga, em sociedade com Marcelo Limírio Gonçalves, antigo dono do laboratório Neoquímica, e João de Queiroz Filho, maior acionista da empresa de bens de consumo Hypermarcas.
Com 130 000 hectares, a fazenda vale 300 milhões de reais (Melo tem 40%). Em 2012, ele teve de se desfazer de outras dezenas de milhões no divórcio com a segunda mulher, Flávia. No acordo, ela ganhou uma casa, uma fazenda e 100 milhões de reais — 35 milhões imediatamente e o restante quando vier a segunda parcela da Pfizer.
Flávia e a família Melo não deram entrevista. Há mais. Melo deveria pagar em dezembro uma parcela de 20 milhões de reais pela fazenda e havia encomendado um segundo jatinho, um Challenger de 40 milhões de dólares. “Ele dizia que, a prazo, comprava até urubu”, diz Fábio Oliveira, seu ex-sócio. A encomenda do jatinho foi cancelada e a família aguarda a partilha dos bens, que pode demorar até dois anos.
Se depender da Pfizer, o cofre dos Melo pode demorar a encher. Desde que assinou o acordo com o Teuto, a multinacional mudou a estratégia global. Está avaliando uma separação dos negócios de genéricos para priorizar a inovação. Os estudos sobre a viabilidade da operação ficam prontos em 2016.
Até lá, pouca coisa deve acontecer. O que parece claro é que a Pfizer tem hoje bem menos interesse pelo laboratório goiano — a ponto de gerar especulações no mercado sobre a compra do restante da empresa. Para o Teuto, o contrato é claro: a compra tem de ser feita até 2016. Anápolis terá dois anos agitados pela frente. Tatiana Bautzer, de Revista EXAME | Leia mais em Exame 29/10/2014
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