Apesar de dados que têm despertado o pessimismo de analistas e de uma parte da sociedade, a economia brasileira continua atraindo o interesse de alguns investidores estrangeiros –uma contradição aparente que encontra explicações no longo prazo.
Animados, Phil Popham, diretor de marketing da Jaguar Land Rover (JLR), e Terry Hill, diretor do grupo para a América Latina, descreveram no Salão Internacional do Automóvel, no mês passado em São Paulo, os planos da empresa para a construção de uma fábrica em Itatiaia e as perspectivas de negócios no país.
“O segmento de carros premium continua a crescer apesar da desaceleração”, explicou Popham. “Além disso, nosso foco é no longo prazo.”
A fábrica da JLR no Brasil será a primeira totalmente controlada pelo grupo fora do Reino Unido e começará a fabricar o Land Rover Discovery Sport em 2016. A estimativa é que custe R$ 750 milhões e crie, inicialmente, 400 empregos –número que poderia dobrar em alguns anos.
O grupo não parece ser o único a olhar para além do atual estado de quase estagnação da economia brasileira –que deve crescer em torno de 0,3% este ano, segundo as projeções do mercado.
Surpreendentemente, apesar da desaceleração, o fluxo de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) para o Brasil continua em patamares relativamente elevados.
Nos últimos 12 meses, tal fluxo atingiu US$ 66,5 bilhões, segundo dados do BC –mesmo nível de 2011, quando o Brasil ainda era o queridinho entre economias emergentes. Em 2010, quando o PIB se expandiu 7,5%, o IED ficou na casa dos US$ 48 bilhões.
Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) parecem confirmar o fenômeno. De acordo com a Cepal, o IDE para o Brasil aumentou 8% de janeiro a agosto na comparação com 2013. Já na região como um todo, os investimentos estrangeiros caíram 23%.
O caso do setor automobilístico chama a atenção também porque ele parece ter sido um dos mais rapidamente afetados pela freada do PIB.
As vendas caíram 8,9% este ano sobre o mesmo período de 2013 e os pátios cheios se tornaram a imagem-símbolo do desaquecimento econômico. O setor também teria fechado 12 mil postos de trabalho nos últimos 12 meses, segundo o IBGE.
Ainda assim, também no Salão do Automóvel, tanto a BMW quanto a chinesa Chery Internacional apresentaram modelos de carros a serem produzidos em fábricas recém-inauguradas no Brasil.
E a Geely Automobile, também chinesa, confirmou que está estudando a abertura de uma montadora no país embora, como ressalta Rodrigo Baggi, da consultoria Tendências, “ao menos no curto e médio prazo, haja dúvidas sobre se haverá demanda para tanto carro”.
O que explica a resiliência desse interesse estrangeiro pelo Brasil?
Planejamento
Parte desses investimentos foi planejada anos atrás, quando o crescimento brasileiro ainda empolgava, como nota o economista Caio Megale, do Itaú Unibanco.
“Mas isso só explica uma parte da história”, diz Megale. “O mercado brasileiro de fato tem algumas características que tem ajudado a sustentar o interesse estrangeiro. Somos uma democracia estável e a economia ainda apresenta fundamentos sólidos, por exemplo.”
Irene Mia, diretora para América Latina e Caribe da Economist Intelligence Unit, concorda. A EIU tem planos de abrir um escritório em São Paulo até o final do ano, para “melhor servir seus clientes brasileiros e estrangeiros focados no Brasil”.
“O crescimento não é o único critério usado pelos investidores para tomar suas decisões de investimento. A atratividade do Brasil para o IDE permanece enorme “, diz ela.
Economistas e analistas econômicos costumam apontar pelo menos dois fatores que estariam por trás da atratividade do mercado brasileiro.
O primeiro estaria ligado à escala desse mercado, que estimularia as empresas a pensarem “no longo prazo” no que diz respeito ao Brasil.
“O mercado de cosméticos brasileiro é o terceiro maior do mundo, o automobilístico é o quarto maior e o de laptops, o terceiro”, diz Olavo Cunha, do Boston Consulting Group.
“Muitas multinacionais sentem que precisam ter um plano para o Brasil para os próximos dez, vinte anos. E mesmo aquelas que já têm uma forte presença no país, como a Nestlé ou a Unilever, por exemplo, precisam fazer investimentos para manter sua fatia do mercado no longo prazo.”
Mobilidade social
Nos últimos anos, as dimensões do mercado brasileiro ainda teriam sido reforçadas pelo processo de expansão da Classe C. Milhões de brasileiros deixaram a pobreza para serem incluídos nessa nova classe de consumidores. E embora esse processo tenha sido freado pela desaceleração, continua em curso.
Além disso, como as taxas de desemprego continuam em patamares historicamente baixos, ao menos até agora a desaceleração ainda não chegou a afetar de forma drástica a vida e hábitos de consumo da maioria dos brasileiros, segundo os analistas.
Outro fator que fomentaria o interesse estrangeiro pelo Brasil é que alguns nichos da economia brasileira – e algumas regiões geográficas do país – ainda estão crescendo em um ritmo relativamente acelerado.
O setor de petróleo e gás, por exemplo, continua a atrair a atenção de investidores – embora o escândalo de currupção da Petrobras possa deixar sequelas.
A área de infraestrutura também seria promissora, segundo Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet).
“Há um enorme potencial para se atrair aportes nessa área, mas para isso o governo precisa garantir um ambiente regulatório favorável”, diz ele.
O mercado de bens de luxo é outro exemplo. De acordo com um relatório da McKinsey, o número de grifes estrangeiras com presença no Brasil dobrou nos últimos cinco anos.
Ainda assim, as três principais marcas de luxo no país têm apenas 0,3 lojas para cada milhão de clientes em potencial – contra 4 lojas na China.
No caso dos carros premium, a JLR prevê que eles possam aumentar sua participação de 2% para 4% ou 5% do mercado de automóveis no Brasil até 2020. Na Europa, essa participação é de 10% e há pouco espaço para crescimento.
Mesmo entre os modelos populares, associações do setor acreditam haver espaço para uma expansão do mercado automobilístico no longo prazo.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), por exemplo, projeta que, até em um cenário pessimista, a frota de automóveis no país deve dobrar nos próximos 20 anos.
“Para completar, as empresas estrangeiras também estão lentamente descobrindo o potencial de crescimento das cidades médias e interior do país”, diz Baggi, da Tendências.
“Impulsionadas por recursos do agronegócio, algumas dessas cidades estão se tornando uma nova fronteira de consumo”
Alta lucratividade
Para Marcos Troyjo, Co-Diretor do BRICLab na Universidade Columbia, há ainda um outro fator por trás da atratividade do Brasil para investidores estrangeiros.
“Um carro que custa US$ 15 mil nos Estados Unidos pode ser vendidos no Brasil pelo dobro ou o triplo”, diz ele.
O preço mais alto compensa, em parte, os custos da carga tributária mais elevada, a complexa burocracia do país e os problemas ligados à falta de infraestrutura.
“Mas as margens (de lucro) também são maiores. As empresas são obrigadas por barreiras protecionistas a produzir no país para acessar o nosso mercado doméstico. Mas, uma vez aqui, elas também acabam protegidas da concorrência externa”, diz Troyjo.
“Quem perde, mais uma vez são os consumidores brasileiros.”
Segundo Troyjo, 2015 será decisivo para definir as tendências nos fluxos de IDE para o Brasil nos próximos anos.
“Se o governo começar a fazer as reformas e correções de rumo na política econômica vistas como necessárias para a retomada do crescimento, os investidores devem responder positivamente. Se o sinal for contrário, alguns podem começar a repensar até sua estratégia de longo prazo para o país”, opina. Ruth Costas Da BBC Brasil em São Paulo Leia mais em Uol 18/11/2014
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