Com dívidas superiores às receitas e margens de lucro apertadas na produção de açúcar e etanol, o segmento sucroalcooleiro lançou mão, nos últimos anos, da cogeração de energia para fazer caixa.
Desde 2012, ao menos 15 unidades de cogeração a partir do bagaço da cana-de-açúcar trocaram de mãos, enquanto outras duas dezenas foram incluídas em reestruturações societárias dentro do mesmo grupo. Juntos, esses ativos somam potência instalada de 2,3 mil megawatts (MW), ou 23% do total implantado nas usinas sucroalcooleiras brasileiras, e os negócios podem ter movimentado, no total, em torno de R$ 5 bilhões, segundo estimativas de mercado.
A maior parte dos ativos de cogeração vendidos a terceiros nos últimos dois anos teve como compradores empresas produtoras e distribuidoras de energia elétrica. Dos cerca de 660 MW negociados no período, 370 MW ficaram com a CPFL e 90 MW com a Tractebel.
O movimento reflete a necessidade que muitos grupos sucroalcooleiros têm de reduzir seus endividamentos, que alcançaram patamares recordes. Com a atual falta de liquidez para a venda de usinas de açúcar e etanol no Brasil – reflexo de anos de baixas cotações dos dois produtos – restou a negociação do único ativo com valor: energia elétrica.
“Quando a coisa aperta, vende-se o que dá mais dinheiro”, concorda Luiz Cláudio Barreira, especialista em energia da consultoria FG Agro. Ele observa, no entanto, que nem todas as usinas que negociaram seus ativos de cogeração o fizeram para pagar dívidas. Em alguns casos, explica, a motivação estava nos bons preços que o mercado estava disposto a pagar pela eletricidade e na promessa dos compradores de realizar investimentos para ampliar e modernizar a planta em questão.
“Com isso, a usina abre mão da receita, mas entra dinheiro no caixa e ela não precisa desembolsar mais recursos para investimentos”, diz Barreira. Há negociações realizadas nos últimos meses nas quais a unidade de cogeração foi vendida pelo equivalente a 30% do valor da usina sucroalcooleira, cita o especialista.
No caso dos ativos de energia que foram separados da usina de cana e vendidos para empresas do mesmo grupo, as razões para a operação são diversas. Incluem desde a necessidade de melhorar a estrutura de capital até questões tributárias, passando pela estratégia de tornar o ativo mais “limpo” para uma eventual entrada de parceiros com capital.
Em linhas gerais, os negócios de cogeração no Brasil têm perfil semelhante. A usina vende o ativo, mas continua a fornecer o bagaço de cana para a unidade. Em troca, o novo proprietário fornece a energia para a operação da fábrica de etanol e açúcar. Na prática, esses contratos funcionam como um arrendamento. Mas, no papel, são contratos de compra e venda que normalmente incluem uma cláusula de venda do ativo ao proprietário original, pelo valor contábil, após o período combinado – 20 anos, normalmente.
“Como são feitas manutenções regulares, ao fim desses 20 anos, essa unidade ainda tem condições de continuar operando”, afirma o diretor da área de corporate finance da trading inglesa Czarnikow, Luís Felipe Trindade.
Ele lembra que o valor do negócio varia conforme a capacidade do ativo, o preço da venda futura de energia e o uso de vapor para processamento de cana da usina onde está o ativo. “As unidades que venderam energia no leilão [mercado regulado] de 2008, a R$ 210 ou R$ 215 o MWh, terão uma receita maior, por isso valem mais”, exemplifica Trindade.
A Czarnikow assessorou a entrada da companhia francesa Albioma no mercado brasileiro. Ao comprar, neste ano, a termelétrica do grupo paulista Rio Pardo, que tem capacidade de 60 MW, a multinacional conseguiu avançar em sua estratégia de adquirir no Brasil ativos equivalentes a 600 MW nos próximos dez anos.
Ao mesmo tempo, a transação permitiu que o Rio Pardo, situado em Cerqueira César (SP), reduzisse sua alavancagem. Com a operação, a usina diminuiu sua dívida em R$ 25 milhões e recebeu uma injeção de R$ 112 milhões no caixa.
O mesmo ocorreu com a Tonon Bioenergia, que na semana passada concluiu a venda da última participação acionária que tinha em ativos de cogeração. Os primeiros negócios foram fechados em 2012, quando a empresa vendeu, por cerca de R$ 150 milhões, 85% de duas unidades de cogeração – em Bocaina (SP) e Maracaju (SP) – para a Energisa.
Na época, conta o CEO da Tonon, Rodrigo Aguiar, o objetivo era melhorar a estrutura de capital da empresa para retomar os planos de expansão. Mas era preciso, para tal, alongar as dívidas de curto prazo, que representavam cerca 80% do endividamento total.
“Logo após a concretização do negócio, a empresa se capitalizou, conseguiu fazer um empréstimo sindicalizado e alongou os débitos. A consequência foi a emissão dos bonds com vencimento em 2020, que mudou a cara da companhia”, afirma Aguiar. A capitalização possibilitou ampliar a capacidade de moagem de cana da unidade Vista Alegre de 2,5 milhões para 3,7 milhões de toneladas.
A Odebrecht Agroindustrial, braço sucroalcooleiro da Organizações Odebrecht, também usou a cogeração para melhorar sua estrutura de capital. Vendeu por R$ 3,7 bilhões suas nove unidades para uma subsidiária do próprio grupo (Odebrecht Agroenergia). Os ativos têm potência instalada de 738 MW, menor apenas que a do da Raízen, que somam 940 MW.
No último mês, a Raízen, controlada por Cosan e Shell, também segregou as unidades de cogeração de suas usinas de açúcar e etanol e criou uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) para cada uma delas. A companhia não comenta, mas em 2013, antes de os preços da energia no mercado spot baterem o recorde de R$ 822 o MWh – e quando os preços do açúcar e do etanol estavam baixos -, a empresa sondou o mercado para uma possível venda de participação nesses ativos. (Valor Econômico, 13/11/14) Leia mais em e-usinas 13/11/2014
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